segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Do elitismo acadêmico na crítica literária.

Recentemente tenho me questionado e questionado todo o meu círculo social e o próprio meio acadêmico em uma questão que me atormenta: o elitismo do meio acadêmico que se fecha em um círculo constante e inacessível de produção, ou melhor de reprodução. E o pior é que me vejo fadado a entrar neste círculo, por ascenção financeira e intelectual.
O problema deste círculo fechado é o pragmatismo autocrático com que se impõe ele. Devemos ler Machado de Assis, devemos ler Guimarães Rosa, devemos ler poetas sacros, devemos, em suma, estudar o cânone. Mas a pergunta que me atormenta continua. Para que devemos ler o cânone? E outra mais importante: Quem selecionou este canone?
Não estou questionando a qualidade do texto literário de Machado ou de Rosa, bom, de certa forma, estou sim. Mas com o propósito de questionar a seleção do cânone, de questionar esse círculo fechado que é o meio acadêmico. Pois me sinto perdido dentro deste círculo, me sinto perdido dentro dum mundo fechado para o mundo real. O mundo acadêmico não é utópico, mas é idealizado.
Não é utópico na medida em que não se concilia entre si, na medida em que tem seus próprios conflitos internos, sendo completamente fragmentado em subdivisões de metodologias. Mas é idealizado no sentido em que se ignoram a problemática dessa fragmentação e mais idealizado ainda quando se ignoram as primeiras questões feitas no começo deste texto. Estas questões nos remetem a outra questão: Qual a função da crítica literária? E quando penso nisto quase me vejo desempregado.
Eu me perguntava estas questões já a algum tempo e me via cada vez mais perdido até me deparar com a leitura da obra de Terry Eagleton para o meu projeto de mestrado. Em Literary Theory an Introduction, Eagleton faz exatamente estas considerações na sua conclusão e graças a estas estranhas coincidências que me cercam eu percebo que não estou sozinho em meus questionamentos, além de não ser nem original ou brilhante.
Entretanto o mais importante é ressaltar as conclusões de Eagleton, que me elucidaram em muito e que me deixaram em dúvida também. Quando eu digo que o mundo acadêmico da crítica literária é um mundo idealizado, fechado em um círculo vicioso eu digo pois ele é um ideal de crítica que não se realiza no plano material, mas que funciona como uma ilusão, uma quimera que reenforça a super estrutura do elitismo liberal. Eagleton diz exatamente isto, o meio acadêmico, a crítica literária, são ilusórios, são reprodutores de ideologias de controle, querendo eles ou não, sabendo ou não, é isto que o são. E isto nos leva as primeiras perguntas, quem seleciona o cânone? É uma pergunta complicada, pois o cânone já nos veio outorgado por gerações passadas e, embora ele tenha sido revisto e aumentado, pouca coisa mudou. O cânone me parecia quando estava no 1 ano de Letras algo como os 10 mandamentos, hoje posso dizer que a elite aristocrática que o selecionou em conjunto com a elite intelectual que o mantêm servem muito bem as suas ideologias. Não que a obra de Machado ou de Guimarães não sejam dignas, mas por que estudá-las continuamente, às vezes sem propósito além do exercício acadêmico, ao invés de se estudar Matrix ou Invincible? Ou mesmo, por que não estudamos Paulo Coelho? Independemente da qualidade de qualquer uma destas obras, fato é que todas elas são contemporâneas, produtos da nossa história atual, produtos da cultura de massa, voltados para a massa e enquanto a elite acadêmica reproduz um estudo da sensibilidade para uma minoria, abandona a massa aos cuidados de seleção da produção do mercado.
Quando faz isto, a elite acadêmica é nada mais do que uma ilusão do sistema e possui sua parcela de culpa na reificação das massas e no não acesso à cultura pela maioria da população. Possui outro tipo de culpa ainda, o de encarcerar em sua rede sistêmica o cânone e de usá-lo para reforçar essa ideologia liberal.
Felizmente para mim, me deparei com a conclusão de Eagleton, com sua ponderação acerca da morte da crítica literária, do ressurgimento da retórica, a mesma retórica do tempo de Sócrates, voltada para o mundo moderno. Pois segundo Eagleton, além de não se limitar no seu objeto de estudo como a crítica literária, sendo assim muito mais democrática, além de estudar o discurso do texto, enfocando as estruturas formadoras para se chegar as ideologias por trás do discurso analisado, além disto tudo, a retórica realiza estas ações com um objetivo claro, produzir e melhorar o próprio discurso do crítico, do analisador.
Ao final da leitura de Eagleton me senti muito mais tranqüilo qüanto ao meu futuro como crítico, não como crítico literário, mas como cidadão crítico capacitado em retórica e preparado para analisar discursos e depreender formas e ideologias. Quanto ao meu futuro acadêmico, entro nele não como crítico literário, mas como estudante e crítico da cultura e como tal não posso nunca me esquecer do que disse Walter Benjamin: "There is no document of culture wich is not also a record of barbarism." 1, ou nas palavras de Eagleton:
"Men and women do not live by culture alone, the vast majority of them throughout history have been deprived of the chance of living by it at all, and those who are fortunate enough to live by it now are able to do so because of the labour of those who do not.". 2
Notas:
"Não há um documento da cultura que não seja também um registro da barbárie." 1 (Tradução minha)
"Homens e mulheres não vivem somente para a cultura, a vasta maioria deles por toda a História tem sido privada da chance de viver mesmo um pouco para a cultura e aqueles que são afortunados o suficiente de viver para isto agora, só o podem por causa do trabalho daqueles que não podem." 2 (tradução minha).